18 de abril de 2015 158 anos do “Livro dos Espíritos”

A história do “Livro”, contada por Canuto Abreu
Consta que a família Baudin – Émile-Charles, Clémentine e as filhas Caroline e Julie -  costumava fazer reuniões espíritas em seu lar quando ainda residia na Ilha da Reunião, uma colônia francesa, que surgiu  do mar há três milhões de anos, graças à força de dois vulcões, na costa oriental da África,  pertencente à França desde 1638. As reuniões espíritas dessa família na Ilha passaram a ser dirigidas por um Espírito, que se apresentou como seu Guia Espiritual. Quando lhe indagaram o nome, o visitante espiritual respondeu: “Sou o Zéfiro da verdade. Chamem-me por este nome” (Zéphyr). Zéfiro é o nome do vento do oeste na Costa Marítima e é também tido como uma brisa suave, sendo filho de Eos (deusa do amanhecer) e Astreu (um dos três personagens da mitologia grega). Zéfiro houvera esposado Íris e seus irmãos foram Bóreas, Noto e Euro.
Certa noite, Zérifo previu que a aquela família mudaria brevemente para Paris: “Lá,  procurarei manter contato com um velho amigo e chefe, desde o nosso tempo de Druídas”. Nessa época, os Baudin não vislumbravam, nem de longe, a possibilidade  de morar na França. No entanto, não demorou muito, veio uma crise no comércio do café e do açúcar, principais produtos das atividades agrícolas e comerciais da família, que, por essa razão, foi obrigada  a mudar para a França,  em 1855. Canuto Abreu conta que as reuniões mediúnicas continuaram em Paris. Zéfiro riscava suas respostas às  perguntas da família Baudin e convidados.
Numa certa noite, o senhor Denizard Rivail e sua esposa Amelie Boudet, aceitaram o convite para participar de uma reunião espírita na casa da família Baudin. Presente naquela reunião o Espírito Zéfiro, Rivail foi por ele saldado de uma forma que ninguém inicialmente entendera:  “Salve, caro Pontífice, três vezes salve!” Sem compreender o sentido daquela aparentemente bizarra saudação, os assistentes deliciaram-se em boas gargalhadas. “Pontífice?!…” Monsieur  Baudin, sentia-se constrangido, não entendia o ocorrido  e tentou atribuir ao caráter espirituoso de Zéfiro aquela possível brincadeira.
Mas o fato é que Rivail aceitou a descontração e  devolveu:” “ minha bênção apostólica, meu filho”. E o  pequeno público assistente novamente caiu em boas gargalhadas.
Mas o Espírito Zéfiro logo interviria para por fim à zombaria e ao  constrangimento, explicando que Rivail houvera sido um alto sacerdote Druída, com o nome de  Allan Kardec, ao tempo de Julio César, na antiga Gália, hoje França, nos anos 50 antes de Cristo. E que ele, Zéfiro, fora  contemporâneo de Rivail em encarnação daqueles idos tempos. (os Druídas eram juízes,  filósofos, professores, enfim personalidades respeitadíssimas e de altas funções na sociedade de etnia Celta, um povo guerreiro que acabou dominado pelo Imperador romano Julio César, depois de uma bárbara invasão do território celta.  Os sacerdotes druídas professavam uma filosofia ocultista,  passada oralmente de uns para outros, sem qualquer registro escrito. Por isso, muito pouco se sabe sobre eles).
Iniciaria-se, ali naquela reunião descontraída da família Baudin, um novo tempo de conhecimento para a Humanidade, “uma nova aurora”, como mais tarde anunciaria o famoso astrônomo amigo de Kardec, Camille Flammarion, uma Doutrina inovadora e reveladora, fincada num tripé até então inédito: a Religião, a Filosofia e a Ciência.
A partir daquele encontro de Zéfiro com Rivail, seriam fornecidas as primeiras respostas de “O Livro dos Espíritos”. E as personagens mediúnicas escolhidas para a psicografia seriam justamente as jovens e pueris meninas, filhas do casal Baudin, Caroline e Julie, aquela com 18 anos e esta com apenas 15 anos.  Aquelas duas meninas, com certeza sem qualquer preparo intelectual para desenvolver uma nova filosofia dessa superior magnitude,  foi a ponte que o Além encontrou para fazer chegar ao Planeta  o primeiro livro da  Doutrina inaugurada por Allan Kardec.
- Não fomos nós que compusemos o Livro, mas os Guias, o Professor Rivail e o “roc” – disse a menina Caroline, em resposta à jovem Ermance Dufaux, que perguntou como o Livro foi composto, segundo a narrativa de Canuto Abreu. A família Dufaux, a que pertencia a menina e médium Ermance, fora apresentada a Rivail por madame  Plainemaison, dama viúva que vivia de rendas deixada pelo seu falecido marido.
O “roc” era um lápis de pedra amarrado a uma tupia, ou seja, uma cestinha de vime, pelos quais os escritos iam surgindo numa lâmina de pedra portátil (ardósia). Por esse meio absolutamente rudimentar advieram as primeiras escritas psicográficas com que o Espírito Zéfiro começou a ditar o Livro inaugural da Codificação, que vai completar 150 anos, ou seja “O Livro dos Espíritos”, que  viria a ser revisto  e complementado pela mediunidade de Ruth Celine Japhet, de 20 anos, sendo certo que “toda a obra, no fundo e na forma, foi ‘revista’ e ‘corrigida’ pelos próprios Espíritos que a inspiraram”, garante Canuto Abreu. E mais: “tanto as questões da primeira, quanto os comentários da segunda coluna resultaram dos ensinos dos Espíritos e não das elucubrações do senhor Rivail”. Ainda segundo o famoso autor, “Rivail observava tudo, tomava nota das respostas dadas pelos Espíritos a quem quer que fosse, quando continham, a seu ver, um ensinamento de utilidade geral. Limitava-se a saudar o Guia e a ouvir a leitura de suas respostas (…) Portava-se, na verdade, não como ‘aprendiz’, mas como ‘examinador’ severo. Discutia com o Espíritos como se fossem homens. Nada aceitava que não estivesse conforme a Razão.”(*)
Posteriormente, o Livro  mereceu a colaboração final da jovem Aline Carlotti, médium psicógrafa e de psicofonia a cuja mediunidade Kardec submetera as questões mais complexas.
(*) Os dados  pessoais, os traços e a personalidade de Kardec são descritos pelo “O Livro dos Espíritos e Sua Tradição Histórica e Lendária”: Era filho de Jeanne Hippolyte e de Jean-Baptiste Antoine Rivail, um advogado e respeitável juiz do Tribunal da cidade de Lyon, onde nasceu em 3 de outubro de 1804, em plena Era napoleônica. “De cultura acima do normal nos homens ilustres de sua idade e do seu tempo, impôs-se ao geral respeito desde moço. Temperamento infenso à fantasia, sem instinto poético nem romanesco, todo inclinado ao método, à ordem, à disciplina mental, praticava, na palavra escrita ou falada, a precisão, a nitidez, a simplicidade, dentro dum vernáculo perfeito, escoimado de redundâncias (…). Tinha o rosto sempre pálido, chupado, de zigomas salientes e pele sardenta, castigada de  rugas e verrugas. Fronte vertical comprida e larga, arredondada ao alto, erguida sobre arcadas orbitárias proeminente, com sobrancelhas abundantes e castanhas. Olhos pequenos e afundados, com olheiras e pápulas. Nariz grande. Bigode rarefeito, aparados à borda do lábio, quase todo branco. Semblante severo quando estudava ou magnetizava, mas cheio de vivacidade amena e sedutora quando ensinava ou palestrava. O que nele mais impressionava era o olhar estranho e misterioso, cativante pela brandura das pupilas pardas, autoritário pela penetração a fundo na alma do interlocutor. O que mais personalidade lhe dava era a voz, clara e firme, de tonalidade agradável e oracional. Sua gesticulação era sóbria, educada. Mantinha rigorosa etiqueta social diante das damas. Sua única jóia: uma aliança de ouro com auréola de prata”.
As quatro mocinhas, apesar de risonhas e elegantes, não eram fúteis, prossegue Canuto Abreu, que acrescenta: “O trato das coisas sérias, as palestras filosóficas e morais em que tomavam parte, os conselhos dos Guias, as comunicações edificantes, a convivência com pessoas cultas e, sobretudo, o adiantamento moral e intelectual que possuíam de existência anteriores faziam-nas preferirem, mesmo quando em palestras sociais ou a sós, assuntos construtivos”.
Uma dezena de médiuns voluntários colaborou na revisão das respostas dos Espíritos, a conselho do próprio Plano Espiritual. Nesse grupo revisor, destacavam-se Roustan, médium intuitivo; a senhora Canu, sonâmbula inconsciente; a senhora Leclerc, médium psicógrafa; a senhora Clèment, médium  falante e vidente;  a  senhora Roger, clarividente notável  e a senhora De Plainemaison, auditiva e inspirada, na casa de quem o professor Rivail começara, como simples curioso – não fazia muito tempo -  a estudar o spiritualism, (movimento herdado dos Estados Unidos, em decorrência dos fenômenos das mesas girantes que envolveram as irmãs Fox), como narra a obra de Canuto Abreu.
Sabido é que depois de Zéfiro, conforme subscrito em Prolegômenos, (preâmbulo à Introdução de “O Livro dos Espíritos”) compareceram na seqüência psicográfica desse primeiro livro vários Espíritos Superiores, sendo que Zéfiro já anunciara o comparecimento de alguns deles nas primeiras reuniões com o professor Rivail: Agostinho, João Evangelista, Vicente de Paulo  João Evangelista e outros confirmados pela jovem Ermance Dufaux, como Sócrates, Fénelon, Swedenborg e Hahnemann.
Em reunião que promoveu em sua residência, após a conclusão de “O Livro dos Espíritos”, com a finalidade de agradecer as colaborações recebidas, Kardec disse reconhecido: “um agradecimento particular às meninas Caroline, Julie e Ruth Celine. Pondo de lado os prazeres próprios da mocidade e sacrificando as horas de estudo e afazeres domésticos, elas se prestaram durante mais de um ano com o máximo desinteresse material  e a melhor dedicação espiritual ao fatigante uso de seus dotes mediúnicos”.  A riqueza do pormenor informativo confirma a impressão de que o dedo mediúnico de Canuto Abreu efetivamente trabalhou em resgate dessa memória histórica…
Em Prolegômenos, Kardec se omitiu sobre as meninas psicógrafas, que compuseram “O Livro  dos  Espíritos”, para protegê-las: “Resolvi afrontar sozinho as ondas de oposição que o Livro vai suscitar. É meu dever ocultar ao grande público os nomes de nossas médiuns” (desabafo de Kardec, segundo Canuto Abreu).
Kardec, claro, foi obrigado a proteger as meninas psicógrafas, pois eram, como dito, jovens e do sexo feminino num mundo então coroado de preconceitos contra a mulher e, sobretudo, contra as Religiões não ortodoxas, ou que desafiassem o status quo religioso vigente (*). Afinal, o professor Rivail já houvera presenciado um diálogo entre o senhor Baudin e o senhor Dufaux,  a respeito do livro “Vida de Luiz 9º Escrita por ele mesmo”, de autoria de sua filha Ermance, que fora censurado por conter passagens consideradas desrespeitosas à Santa Sé, segundo conta Canuto Abreu. “Lastimável que isso aconteça  em plena metade do Século dezenove”, ponderou  Rivail, preocupado com seu livro. Afinal, as pioneiras do Espiritismo,  as irmãs americanas Fox, vinham sendo perseguidas cruelmente, excomungadas e repelidas em todas as comunidades, como também informa Canuto Abreu.
Por isso, muito pouco se sabe a respeito das históricas meninas que compuseram a base de “O Livro dos Espíritos”. Não teria sido por outra razão que na Introdução e em Prolegômenos o codificador simplesmente informa que a obra foi escrita “por ordem e mediante ditado de Espíritos superiores (…), por muitos médiuns”, sem, entretanto, detalhar o método e as formas, de maneira a não expor as jovens meninas Caroline e Julie.
(*) No mês de setembro de 1861, o escritor e editor Maurice Lachâtre, refugiado, por perseguição da Igreja, em Barcelona, na Espanha, onde tinha uma Livraria, solicitou a Kardec três centenas de livros espíritas, inclusive “O Livro dos Espíritos”. A remessa, logo que chegou a seu destino, foi totalmente apreendida por um auto de fé assinado pelo Bispo local, Antônio Palauy Termens e, no dia 9 de outubro, os livros foram atirados a uma fogueira, em cumprimento a uma sentença ditada sob influência eclesiástica. Em 1° de maio de 1864, “O Livro dos Espíritos” foi lançado no temido Index Librorum Prohibitorum, índice dos livros censurados e proibidos pela Igreja Católica, criado em 1559, pela Sagrada Congregação da Inquisição, para “prevenir a corrupção dos fiéis”. Ao lado de Kardec,  figuraram nesse Index notáveis da Ciência e da Filosofia, como Rousseau, Montesquieu, Descartes, Copérnico, Galileu Galilei e tantos outros. O Index vigorou até  1966, quando o então Papa Paulo 6º o extinguiu definitivamente.

Em 18 de abril de 1857, Kardec estaciona  uma carruagem, com 1200 volumes de “O Livro dos Espíritos”, destinados à Livraria Dentu

Concluída a edição primeira de “O Livro dos Espíritos”, numa bela manhã de sábado de primavera, Kardec sai de sua residência, em Paris, na Rue des Martyrs, número 8, segundo andar, com 1200 volumes da obra. O meio de transporte era uma carruagem. Ele se detém na Rue Montpensier, em frente à Galeria d’Orleans, no Palais Royal , para alcançar a Livraria Dentu, da viúva madame Mélanie Dentu. Silvino Canuto complementa a descrição da cena: “o ajudante de cocheiro, trajando uniforme cinzento, amarrotado e sujo, saltou da boléia e dirigiu-se à Livraria”. Esperava por Kardec e sua obra, além da proprietária da Livraria, um Gerente da loja identificado apenas pelo nome de Clément, que leu a nota de entrega remetida pela Tipografia De Beau e ordenou o desembarque dos livros. À tarde, Kardec volta à Livraria e constata que mais de meia centena de exemplares já haviam sido vendidos ao preço de 3 francos por unidade, preço que, segundo consta, ele achou inicialmente caro, mas foi convencido por madame Dentu de que estava de acordo com o mercado.

O título original do livro
“Religião dos Espíritos” – fora prudentemente modificado pelo codificador para “O Livro dos Espíritos”, primeiramente porque ele temia que a censura implicasse com o primeiro nome e também para que o leitor identificasse na obra um livro escrito pelos Espíritos. Na noite do dia 18 de abril de 1857 em que foi lançado “O Livro dos Espíritos”, madame Rivail (Amélie-Gabrielle de Lacombe Boudet Rivail) – Gaby na intimidade – já se houvera recolhido aos aposentos do casal. Kardec, entretanto, foi para o escritório de sua residência e sentou-se à escrivaninha de carvalho, sob a luz bruxuleante de uma vela. Pegou seu caderno de memórias e anotou, conforme o relato de Canuto Abreu: “Mais de cem exemplares de “O Livro dos Espíritos” já se foram neste primeiro dia, doados ou vendidos. Cada volume será um grão de vida nova lançado ao coração de um homem velho. Se algumas sementes caírem em corações maduros haverá, por certo, gloriosas ressurreições. Mil e duzentas sementes da Verdade serão lançadas no terreno da opinião. Se uma só frondejar, nosso esforço não terá sido em vão.” E conclui o codificador, segundo a confiável informação histórica do confrade paulista: “O Livro de hoje não é senão a primeira página da religião do futuro. À medida que o meio e o desenvolvimento da Idéia Nova o permitam. Operar-se-á lentamente lutando com adversidades poderosas, pisada aqui, adulterada acolá, esmagada num ponto, ressuscitada noutro, criticada por muitos, defendida por poucos, atraiçoada dentro  de seus próprios muros pelos fracos a serviço das Trevas”. Nascia, assim,  a Doutrina Espírita, uma nova luz para a Humanidade. Com Jesus e por Jesus!

http://www.jornaldosespiritos.com/2008/alem%283%29.htm158-anos-de-o-livro-dos-espiritos-626x380

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